MAYSA













Maysa Figueira Monjardim, mais conhecida como Maysa Matarazzo, (São Paulo, 6 de junho de 1936 — Niterói, 22 de janeiro de 1977) foi cantora, compositora e atriz brasileira.
Nascida numa família tradicional do Espírito Santo, Maysa passou a infância no bairro de Botafogo (Rio de Janeiro). Onde brincava de roda e jogava futebol com as crianças da vizinhança, tinha a fama de "boca suja" da rua.
A música sempre esteve presente em sua vida. Gostava de cantar para os parentes desde pequena.
Seu pai,notívago e hedonista, era muito amigo de Sílvio Caldas e Elizeth Cardoso e o próprio Sílvio foi a primeira pessoa que a ajudou a tocar violão. Com Elizeth, aprendeu como se tornar uma cantora.
Da menina sensível, que sentiu terrivelmente o corte da goiabeira do quintal do avô, até a mulher desestruturada pelo consumo de álcool,remédios para dormir e emagrecer que sonolenta ao volante de uma Brasília, sofreu um acidente automobilístico fatal em 22 de janeiro de 1977 na ponte Rio-Niterói, sua vida foi uma impressionante sucessão de risos e lágrimas. Não há melhor exemplo disso do que seu casamento de sonhos com o milionário André Matarazzo,que era vinte anos mais velho do que ela. Logo transformado em pesadelo. Celebrado na Catedral da Sé pelo cardeal Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, arcebispo de São Paulo, e abençoado pelo papa Pio XII, o matrimônio terminou dois anos depois, entre tapas, insultos e objetos quebrados pelo chão. Prato cheio para as revistas de fofocas, que, aliás, foram uma das principais vias de contato entre sua vida particular e a lenda artística que representava, já que tinham assunto de sobra para reforçar o lado trágico que marcava as suas canções.
Da união nasceu Jayme Monjardim, hoje diretor de telenovelas e cinema,que foi abandonado pela mãe, dos 8 aos 16 anos, num colégio interno da Espanha,pois Maysa só se preocupava em cuidar de sua carreira, inclusive no exterior, enquanto Jayme ficava sozinho durante o recesso escolar,já que todos os seus amigos iam para casa nas férias.
Depois ele acabou sendo criado pela avó.
Quando ainda era casada com André Matarazzo,um produtor musical a ouviu, quis contratá-la imediatamente para gravar um disco, mas Maysa, que estava grávida, pediu que esperasse o nascimento do filho. Um ano depois saiu "Convite para Ouvir Maysa", em quatro volumes, entre 1956 e 59, pela RGE, com os sucessos "Ouça", "Adeus" e "Meu Mundo Caiu".
Separada de Matarazzo (1959), que se opôs à carreira musical,Maysa foi lançada nas boates Cave e Oásis, depois foi uma das cantoras do bar João Sebastião Bar, no bairro da Consolação (São Paulo)e apresentou o programa Encontro com Maysa, (TV Record, Canal 7, São Paulo), nos anos 50.
O fim do casamento abalou profundamente a cantora, levando-a à depressão e consequentemente a beber.
Enfrentou crises seguidas, que resultaram em pelo menos dois graves problemas simultâneos e, de certa forma, complementares: passou a comer avidamente e a beber de forma desregrada. Ela engordou horrores e passou a dar pequenos e grandes vexames em público, trocando o dia pela noite.
Nos programas de tevê, exigia que só a filmassem do pescoço para cima. Mudou todo o guarda-roupa e só se apresentava com roupa preta, o que além de disfarçar a gordura acentuava a aura dark de sua imagem. "Comecei a viver à noite e, durante o dia, vegetava dentro de casa", revelaria Maysa, ao recordar aquele tempo em que chegou a passar dos 90 quilos. "Só saía de dia para ir à praia nos desertos da Barra da Tijuca: era a única forma de pôr um maiô, pois não havia ninguém por lá."
Vivia engordando e emagrecendo...
"Comprei um terreno, construí uma casa e alimentava ali a minha solidão e a minha falta de perspectivas. Quando era preciso cumprir algum compromisso, bastava aliviar a tensão com alguns drinques".
Quando mudou para o Rio de Janeiro, e passou a se relacionar com a "turma da bossa nova". Namorou o produtor Ronaldo Bôscoli com quem teve uma tumultuada relação iniciada quando ele ainda era noivo de Nara Leão (o noivado naufragou escandalosamente...) e, terminada de maneira agressiva. Mas com o agravante dela já beber demais.
À partir dessa época, Maysa começou a ter problemas sérios com a bebida e a se envolver em casos amorosos explorados pela mídia.
Muitas vezes ela chegou a cambalear diante das câmeras, durante a apresentação de seus programas.
Os objetos do cenário --um poste aqui, uma coluna grega acolá-- passaram a funcionar como providenciais pontos de apoio, nos quais ela se segurava para não cair em pleno palco.
As duas doses de antes, "pra dar coragem", estavam sendo substituídas agora por litros de vodca e uísque.
O rosto de Maysa igualmente denunciava que alguma coisa não ia realmente bem com a estrela. Os raros sorrisos, muitas vezes carregados de amarga ironia, agora acentuavam a característica curvatura que possuía o lábio superior, voltado ligeiramente para baixo, o que lhe atribuía um certo semblante de tristeza até quando ria. Mas o que poucos conseguiam entender era como podia ser possível que, quanto mais bebesse, melhor Maysa cantasse.
"Ela é uma coitada, uma infeliz, uma alcoólatra, uma gorda", censurou-lhe a revista Escândalo. Quando uma atormentada Maysa enfiou seu fusquinha verde na traseira de um caminhão em Copacabana, no final de 1958, a imprensa teve uma das manchetes mais escandalosas de todos os tempos sobre ela. E, dessa vez, Maysa não podia negar, esconder-se atrás de um desmentido. "Maysa, bêbada e ferida, foi atendida em pronto-socorro", noticiou a Folha da Noite. Disseram que era o fim. Previram sua retirada de cena. Falaram que o rosto ficaria deformado para sempre, com uma enorme cicatriz. Era uma vez a Cinderela às avessas. O que poucos podiam prever era que aquela seria apenas a primeira das muitas destruições e reconstruções que Maysa faria de sua vida-- e de si mesma.
Conheceu seu segundo marido, o advogado espanhol Miguel Azanza, quando fazia uma temporada na Europa. Depois de se casar, fixou residência na Espanha, de lá viajou, entre 61 e 65, para países como França, Estados Unidos e Portugal. Nesse período, saíram em terras brasileiras Maysa Canta Sucessos (62), Os Grandes Sucesso de Maysa (63) e Voltei (63), com músicas como Estou Pensando em Ti, Ri, Meditação e Solidão. Ela retomou a carreira no Brasil em 69, lançando Canecão Apresenta Maysa, que continha Se Você Pensa e Se Todos Fossem Iguais a Você.
Morou oito anos fora do Brasil.
Separada de Azanza, teve à seguir, relacionamentos amorosos com o ator Carlos Alberto e com o maestro Júlio Medaglia.
Neste contato com vários músicos da Bossa Nova, pôde expandir referências musicais e excursionou pelo país ao lado do pianista Pedrinho Mattar, lotando casas de espetáculos.
A passagem pela bossa rendeu a ela o excelente disco "O Barquinho" , de 1961, que lançou a canção homônima e se tornou um clássico do gênero.
Suas composições, e as canções escolhidas para o repertório eram sob medida para uma voz incomum, com forte viés melancólico, que se tornaram emblemáticas do gênero fossa ou samba-canção. O gênero, comparado ao bolero, pela exaltação do tema amor-romântico ou pelo sofrimento de um amor não realizado, foi chamado também de dor-de-cotovelo.
O samba canção (surgido na década de 30) antecedeu o movimento da bossa nova (surgido ao final da década de 50,especificamente em 1957), com o qual Maysa foi identificada. Mas este último representou um refinamento e uma maior leveza nas melodias e interpretações em detrimento do drama e das melodias ressentidas, da dor-de-cotovelo e da melancolia. O legado de Maysa, ainda que aponte para dívidas históricas com a bossa, é o de uma cantora mais dramática e a voz é mais arrastada do que as intérpretes da bossa e por isso aproxima-se antes do bolero.
Foram celebrizadas as seguintes interpretações: Felicidade Infeliz (Maysa), Solidão (Antônio Bruno), Bom dia, Tristeza (Adoniran Barbosa/ Vinicius de Moraes), Tristeza (Haroldo Lobo/ Niltinho), Ne Me Quitte Pas (Jacques Brel) e Bloco da Solidão (Jair Amorim/ Evaldo Gouveia). Também foram consagradas: Adeus, Agonia, Marcada, Meu mundo caiu, Não vou querer, Ouça, Resposta, Rindo de mim, Tarde triste, O barquinho.
Contemporânea da compositora Dolores Duran, Maysa compôs 26 canções, numa época em que haviam poucas mulheres nessa atividade. Todas foram gravadas no CD Maysa por ela mesma, que alcançou grande sucesso. Maysa interpretava de maneira muito singular, personalista, com toda a voz, sentimento e expressão. Um canto gutural, ensejando momentos de solidão e de grande expressão afetiva. Um dos momentos antológicos desta caracterização dramática foi a apresentação, em 1974, de Chão de Estrelas (Silvio Caldas e Orestes Barbosa), e de Ne Me Quitte Pas (10 de junho de 1976) no programa Fantástico da Rede Globo. Esse estilo Maysa exerceu influência nas gerações seguintes.
Em cerca de 50 músicas gravadas, sempre deixou refletir seu estado de alma, sua tristeza e solidão. Nunca conseguiu escrever nada alegre.
Era impressionante, a relação de ódio e amor que ela tinha com a imprensa da época. De ódio, pelas críticas e fofocas de que foi vítima. De amor, porque adorava ser entrevistada.
Maysa gostava de plantar pistas falsas sobre sua vida, inventava histórias fantasiosas...
Era considerada "Os olhos mais lindos da MPB"
Seu mito é dos mais sedutores de toda a MPB: a diva temperamental, intensa e absolutamente autêntica, cujos olhos eram “dois oceanos não-pacíficos”, conforme as célebres palavras de Manuel Bandeira. A seu favor,ainda tinha uma longa série de histórias notáveis, como uma de seu início de carreira, narrada por Lira Neto, em que foi capaz de encerrar seu programa de TV dizendo: “Gostaram? Se não gostaram, não tem importância, porque na próxima semana vai ser a mesma coisa. Boa noite”.
A eterna cantora dos amores frustrados tinha a exata consciência de que, à certa altura, tornara-se refém da própria imagem pública: “Eu embarquei nessa canoa furada e acabei me tornando o que queriam que eu fosse: uma mulher mal-amada”, desabafou certa vez. Mesmo assim,tentou livrar-se do estigma de “Rainha da Fossa”, e continuou renovando, chegando a incluir “Light my fire”, do The Doors, em um de seus repertórios.
Uma mulher como poucas, não só em seu tempo.
Ela esteve algumas vezes internada em clínicas de desentoxicação,mas sua vontade de beber era maior.
Nos primeiros anos da década de 70 trabalhou em teatro e televisão. Com atuações em "O Cafona"(com Francisco Cuoco) e em "Bravo!" (com Carlos Alberto).
Maysa é a mulher mais biografada em livro de toda a história da música popular brasileira (depois, é claro, de Carmen Miranda).
E como é essa história? Dramática do começo ao fim. É tanto a história da moça bonita e inteligente que fez sucesso como cantora e compositora, quanto a da artista que, nos últimos anos, ainda jovem, não se encontrava no teatro e na pintura. É tanto a da dama de sociedade, de sobrenome Matarazzo, quanto a da mulher que manda marido e filho às favas para viver a vida que quer. É tanto a da criatura ousada, disposta a enfrentar o preconceito e a intolerância à sua volta, como a que, vencida, tenta várias vezes o suicídio. É tanto a da pessoa corajosa, decidida a levantar seu mundo toda vez que ele cai, quanto a do ser triste, de temperamento instável, derrotado pela depressão e pelo alcoolismo.
Apesar de tudo,os amigos afirmam a existência de uma Maysa solar, irreverente, desbocada, dona de uma gargalhada tonitruante, humor imprevisível, chegada a uma molecagem explícita.
Antes de sua morte ela andava recolhida à sua casa de praia,em Maricá, longe dos holofotes da mídia, ensaiava um lento e gradual reencontro consigo.
"Não tenho medo da morte. Tenho a impressão de que jamais morrerei", disse, nessa época, a um repórter.
"Continuo a mesma, apenas encaro a vida com sereno otimismo", completou.
Em seu diário íntimo, porém, revelava a dúvida que alimentava sobre as próprias palavras: "E se o amanhã não chegar?"
Cerca de um mês antes de morrer,Maysa faria a última anotação em seu diário particular. "Tenho 40 anos, 20 de carreira. Sou uma mulher só. O que dirá o futuro?" Não houve tempo, infelizmente, para que respondesse à própria pergunta.
Para o público fica a pergunta:"Como uma cantora tão bonita e talentosa conseguiu ter uma vida tão atormentada?"
Se estivesse viva, faria 71 anos dia 06 de junho de 2007.
Discografia:
Convite para ouvir Maysa (1956) RGE 10 polg
Maysa (1957) RGE LP
Convite para ouvir Maysa nº 2 (1958) RGE LP
Convite para ouvir Maysa nº 3 (1958) RGE LP
Convite para ouvir Maysa nº 4 (1959) RGE LP
Maysa é Maysa... é Maysa... é Maysa (1959) LP
Maysa canta sucessos (1960) LP
Voltei (1960) LP
Barquinho (1961) Columbia LP
Maysa, amor... e Maysa (1961) LP
Canção do amor mais triste (1962) LP
Maysa (1964) LP
Maysa (1966) LP
Canecão apresentação Maysa (1969) Copacabana LP
Maysa (1969) LP
Ando só numa multidão de amores (1970) Philips LP
Maysa (1974) Evento LP
Para sempre Maysa (1977) RGE LP Álbum duplo
Convite para ouvir Maysa [S/D] LP
Maysa por ela mesma (1991) RGE CD
Canecão apresenta Maysa (1992) Movieplay CD
Tom Jobim por Maysa (1997) RGE CD
Barquinho (2000) Sony Music/Columbia CD
Simplesmente Maysa-Vol. 1 a 4 (2000) CD
Referências bibliográficas:
Só numa multidão de amores
Lira Neto - Editora Globo - 2007.
Eles e Eu - Memórias de Ronaldo Bôscoli
Luiz Carlos Maciel & Angela Chaves - Editora Nova Fronteira - 1994
Meu Mundo Caiu – A bossa e a fossa de Maysa
Eduardo Logullo - Editora Novo Século - 2007
Maysa Disse:
"Acho que não sei ser programada como um computador - gravar isso ou aquilo porque vai vender.
Todo mundo diz que vou morrer de fome,mas não vai acontecer isso.
O que me alimenta é a arte e não o dinheiro que vem da arte, entende?" (1977)
"Meu passado foi maravilhoso, apesar de tudo. Foi uma vitamina para a minha vida. Teve uma importância tão grande que gostaria que não fizesse um futuro, mas foi feito. Eu quero nascer hoje" (1975)
"Madura, o que é ser madura?" (1975)
"Talvez eu assuste as pessoas. Eu geralmente acabo destruindo as amizades, destruindo aquele amor que estou querendo. Geralmente, as pessoas não gostam de bêbados" (1975)
"Agressiva? Ninguém pisa no meu calo agora. Se me tratam bem, eu trato bem. Apenas respondo - e isso é humano. Essa história de levar um bofetão e dar a outra face não é comigo" (1973)
"Tenho medo apenas do que não depende de mim: amar e não ser amada, por exemplo" (1974)
"Há gritos incríveis dentro de mim, que me povoam da mais imensa solidão" (1976)
"Não quero morrer. Isso tudo é uma espécie de apelo, um pedido de proteção" (1975)
"Se sou feliz? Felicidade é coisa de gente burra" (1977)
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